ATA DA QUADRAGÉSIMA TERCEIRA SESSÃO SOLENE DA PRIMEIRA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA TERCEIRA LEGISLATURA, EM 23-10-2001.

 


Aos vinte e três dias do mês de outubro do ano dois mil e um, reuniu-se, no Plenário Otávio Rocha do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre. Às dezenove horas e vinte e quatro minutos, constatada a existência de quórum, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos da presente Sessão, destinada à entrega do Título Honorífico de Cidadã de Porto Alegre à Senhora Nilce Azevedo Cardoso, nos termos do Projeto de Lei do Legislativo nº 107/01 (Processo nº 1820/01), de autoria do Vereador Marcelo Danéris. Compuseram a MESA: o Vereador Reginaldo Pujol, 2º Vice-Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, presidindo os trabalhos; o Senhor Wilson Martins, representante do Senhor Prefeito Municipal de Porto Alegre; a Senhora Maria da Conceição Marques Pereira, representante da Senhora Secretária Municipal de Cultura; a Senhora Nilce Azevedo Cardoso, Homenageada; o Vereador Marcelo Danéris, na ocasião, Secretário "ad hoc". A seguir, o Senhor Presidente convidou a todos para, em pé, ouvirem a execução do Hino Nacional e, após, concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Vereador Marcelo Danéris, em nome das Bancadas do PDT, PPB, PTB, PL, PHS, PPS, PSL e PFL discorreu sobre aspectos atinentes à vida pessoal e profissional da Senhora Nilce Azevedo Cardoso, notadamente no que se refere à participação política de Sua Senhoria na luta pela redemocratização do País. Também, procedeu à leitura de trechos da Exposição de Motivos do Projeto de Lei que concedeu a presente honraria à Homenageada. O Vereador Raul Carrion, em nome da Bancada do PC do B, prestou sua homenagem à Senhora Nilce Azevedo Cardoso, mencionando as dificuldades enfrentadas por Sua Senhoria ao longo de sua militância política e comentando as atividades exercidas pela Homenageada como professora e integrante do Movimento dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos do Rio Grande do Sul. A Vereadora Maristela Maffei, em nome da Bancada do PT, salientou a justeza da concessão do Título Honorífico de Cidadã de Porto Alegre à Senhora Nilce Azevedo Cardoso, salientando a dedicação e a coragem sempre demonstradas por Sua Senhoria no exercício de suas atividades políticas, notadamente durante o período da História Contemporânea em que o Brasil foi governado por militares. A seguir, o Senhor Presidente convidou o Vereador Marcelo Danéris a proceder à entrega do Diploma e da Medalha alusivos ao Título Honorífico de Cidadã de Porto Alegre à Senhora Nilce Azevedo Cardoso, concedendo a palavra a Sua Senhoria, que agradeceu o Título recebido. Em continuidade, foi realizada apresentação musical pela cantora Maria Lúcia, que interpretou "Pealo de Sangue", de autoria de Raul Ellwanger. Após, o Senhor Presidente convidou os presentes para, em pé, ouvirem a execução do Hino Rio-Grandense e, nada mais havendo a tratar, agradeceu a presença de todos e declarou encerrados os trabalhos às vinte horas e cinqüenta e três minutos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelo Vereador Reginaldo Pujol e secretariados pelo Vereador Marcelo Danéris, como Secretário "ad hoc". Do que eu, Marcelo Danéris, Secretário "ad hoc", determinei fosse lavrada a presente Ata que, após distribuída em avulsos e aprovada, será assinada pela Senhora 1ª Secretária e pelo Senhor Presidente.

 

 


O SR. PRESIDENTE (Reginaldo Pujol): Estão abertos os trabalhos da presente Sessão Solene de outorga do Título Honorífico de Cidadão de Porto Alegre à Sr.ª Nilce Azevedo Cardoso.

A Mesa já está constituída, estando ao nosso lado a nossa homenageada, Sr.ª Nilce Azevedo Cardoso; o representante da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Sr. Wilson Martins e a representante da Secretaria Municipal de Cultura, Sr.ª Maria da Conceição Marques Pereira.

Convidamos todos os presentes para, em pé, ouvirmos o Hino Nacional.

 

(Executa-se o Hino Nacional.)

 

A Sessão Solene que hoje se realiza decorre de um Projeto de Lei Legislativo encaminhado pelo Ver. Marcelo Danéris que resultou na Lei que concede o Título Honorífico de Cidadã de Porto Alegre a psicopedagoga clínica Nilce Azevedo Cardoso. É um Projeto que tramitou regularmente na Casa, desde o dia 24 de abril, tendo merecido a aprovação unânime dos componentes deste Legislativo. Como determina a regra aplicada a solenidade desta natureza, cabe ao proponente da homenagem o pronunciamento básico da solenidade. Por tal razão, com muita satisfação, o Ver. Marcelo Danéris está com a palavra, na condição de proponente e também falará em nome do Partido Democrático Trabalhista, Partido Progressista Brasileiro, Partido Trabalhista Brasileiro, Partido Liberal, Partido Humanista Solidário, Partido Popular Socialista, Partido Social Liberal, e do Partido da Frente Liberal.

 

O SR. MARCELO DANÉRIS: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Eu penso,  minha companheira Nilce, que olhar para este Plenário, olhar para essas galerias, é a maior e melhor homenagem que tu poderias ter recebido. Confesso que estou, extremamente, emocionado ao ver os meus companheiros, mas, principalmente, os teus companheiros e companheiras de tantos anos de luta, de tanta história de vida, todos aqui hoje, para esta homenagem. Para esta homenagem que não é mais deste Vereador apenas, é uma homenagem da Cidade de Porto Alegre que te reconhece como uma cidadã, como uma lutadora, como uma mulher, como amiga e como companheira. Eu penso que não só eu, mas quase todos aqui devem perguntar o que se passa na cabeça da companheira Nilce, neste momento, o que significa essa história toda de vida e de luta neste momento. Quem sabe puxando lá, desde o primeiro dia em que decidiu militar na sua vida como uma lutadora social que tu és até hoje.

Mas, companheira Nilce, eu quero te dizer, eu quero conversar contigo, muito pessoalmente, porque além de companheira, de cidadã, tu és minha amiga, este título não pertence somente a ti, este título é a representação e tu és a representação de uma geração inteira de brasileiros, brasileiras, cidadãos e cidadãs do nosso País, que lutaram durante anos para que a gente hoje pudesse fazer inclusive um ato que parece tão simples como este, um ato tão simples como este que tu ajudaste a construir, porque o direito de nós fazermos esta Sessão hoje só foi garantido, porque existiram companheiras como a companheira Nilce. Este ato tão simples, por incrível que pareça, custou a vida de tantos brasileiros e brasileiras; um ato tão simples como este, como é o ato de se reunir, como é o ato de discutir política, como é o ato do compromisso de quem quer construir um novo país - quem quer construir, se preocupa com a sua própria cidade, com o seu Estado - tenha custado a juventude de tantos, tenha custado a integridade física de tantos e tenha custado, acima de tudo, a liberdade de tantos - um ato tão simples.

Eu, especialmente, dedico, quando no meu Partido algum companheiro ou companheira se filia, eu sempre faço questão de registrar, Nilce, que esse ato tão simples da filiação e da opção partidária, independente de qual seja, só é possível hoje porque muitos lutaram durante muito tempo, mas principalmente porque nunca desistiram, como tu.

Impedido pela minha juventude, minha companheira, eu confesso que eu teria e tenho aquela vontade de ter estado contigo naquela luta, lá no início. Mas eu luto hoje e o Partido dos Trabalhadores luta e tantos outros lutadores sociais, independente de partidos lutam hoje é para fazer jus a tanta dedicação e tanta luta tua e de teus companheiros. Esse título não é mais só teu, esse título é teu, mas para tu dividires com as tuas memórias, para dividires com a memória dos teus companheiros, é para dividires com os teus familiares, com os teus filhos, com as pessoas que te acompanham nessa trajetória toda e que junto contigo sofreram e lutaram durante tantos anos. Este título, minha companheira, é a representação de toda uma geração, de toda uma juventude que nos garantiu o direito básico à democracia, o direito à expressão, à liberdade de escolhas, à liberdade partidária, à possibilidade de votar em quem nós queremos como nossos governantes. Coisas que parecem tão banais para uma juventude de hoje, com seus 12, 13 anos, 15, 16 anos, quem está votando pela primeira vez, mas muitos não sabem o que significou em dedicação, em anos de luta.

Eu tenho especial admiração por quem teve a capacidade de doação que tiveste. Não é fácil,  para ninguém, e principalmente na juventude – como tu – fazer uma opção de vida,  abrindo mão de coisas tão básicas que todos nós gostamos de fazer. O quanto deixaste de lado os teus estudos! O quanto abriste mão da tua família, do convívio com a tua família! O quanto tiveste de abrir mão do teu próprio lazer, das questões financeiras, do teu futuro, dos teus projetos, dos teus programas, lutando por algo coletivo! A tua capacidade de doação por uma causa tão importante como era a redemocratização deste País.

Mas, não era só isto: tem um projeto de sociedade justa, igualitária e socialista que lutaste e lutas até hoje e que nós podemos dizer, com felicidade, que muitas dessas conquistas nós as vivemos hoje. E nós vivemos essas conquistas é porque existem companheiros e companheiras como tu. É bom vermos que todas essas décadas de lutas, anos de lutas, tudo que envolveu todos os sacrifícios estão dando os seus frutos hoje.

Às vezes, olhamos com certo cansaço e dizemos: mas para que eu luto tanto tempo? Mas será que adianta? As pessoas querem mudar ? Essa sociedade tem como mudar? Ou será utopia nossa,  utopia minha, ou utopia de um partido? E nós vemos hoje em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul e queremos ver também neste País que esta luta e essa utopia é possível, que tudo isso pode e vai dar os seus frutos. Mas essa luta é cotidiana. Essa luta é a cada dia. Uma vez escrevi uma frase para alguns companheiros que se candidataram ao Conselho Tutelar e que eu acho que encaixa muito bem aqui nesta nossa homenagem, ela dizia o seguinte: “Nós lutamos por uma utopia, é possível. Mas nossos olhos estão no futuro e a nossa luta a cada dia.” E essa luta cotidiano é que tu, como militante, como lutadora social, como mãe, como amiga, como companheira, como cidadã de Porto Alegre, que, independente de qualquer título, nós já tínhamos te adotado, tu quisesse ou não. Como Cidadã de Porto Alegre, tu és capaz de enxergar e olhar o futuro, mas jamais desistir da luta quotidiana.

Então, senhoras e senhores, meus companheiros e companheiras, aqui, hoje presentes. Na exposição de motivos tem um parágrafo com o qual eu gostaria de finalizar, porque acho que sintetiza um pouco do que é a companheira Nilce. Diz ele: “Em sua história de lutas contra a ditadura, pela democracia, de militante social pelos Direitos Humanos e apesar de todo o sofrimento físico e psicológico a que foi submetida, Nilce nunca perdeu a capacidade de sorrir” - como estamos vendo hoje -; “de se doar às lutas sociais e, principalmente, nunca perdeu a capacidade de se emocionar e indignar-se com o sofrimento humano, não perdendo jamais a ternura, mantendo-se, até nossos dias, fiel à luta do nosso povo.”

Este título a ser concedido à companheira Nilce Azevedo Cardoso, resgata não só a trajetória de uma democrata, mas também de uma grande mulher, sendo o reconhecimento da nossa Cidade a sua contribuição.

Por tudo isso, companheira Nilce, nós nos sentimos gratificados, tu adotaste Porto Alegre, hoje, nós, oficialmente, te adotamos. Continue sempre lutando e sempre perto de nós. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Reginaldo Pujol): O Ver. Raul Carrion está com a palavra pelo Partido Comunista do Brasil.

 

O SR. RAUL CARRION: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Amigos e amigas, todas as pessoas aqui estão para prestar esta singela e merecida homenagem a nossa querida Nilce.

Homenagear Nilce Cardoso, além de homenagear uma heroína da luta do nosso povo, é prestar o nosso reconhecimento a todos aqueles que durante os "anos de chumbo" da ditadura militar enfrentaram as mais variadas perseguições, prisões, torturas, exílios. Muitos, hoje, aqui presentes, neste auditório.

Nilce cedo começou a sua luta, ainda universitária no Curso de Física da USP; ingressou na JUC – Juventude Universitária Católica -; em pouco tempo passou a fazer parte da sua direção nacional; concluído o curso, em 1967, passou a militar na Ação Popular – AP -, na qual tive também uma participação, de 1963 a 1969, quando ingressei no Partido Comunista do Brasil. Em 1968, já na AP, foi trabalhar como operária na fábrica de linhas Rhodia, no ABC Paulista, dentro do processo chamado "integração na produção"; em 1969, já em Porto Alegre, tornou-se operária das fábricas Renner, no Navegantes. No dia 11 de abril de 1972, seqüestrada em uma parada de ônibus pelos esbirros do DOPS – Departamento de Ordem Política e Social, da ditadura militar -, foi levada para o Palácio da Polícia e foi submetida às mais bárbaras e terríveis torturas, as quais resistiu bravamente. Em conseqüência disso, ficou em estado de coma por oito dias; recuperada, retornaram as torturas. Em junho de 1972, foi enviada para o centro de torturas da OBAN – Operações Bandeirantes, em São Paulo - onde também tive o desprazer de por lá passar -; continuaram as torturas. E como nada conseguiram provar contra ela, pouco depois do seu retorno a Porto Alegre, foi liberada em julho de 1972 e, mais tarde, absolvida.

Sem acovardar-se, já em 1973 passou a atuar no IEPES do antigo MDB. Lecionou Física, primeiro na Escola Estadual Padre Rambo, logo, na Escola Presidente Costa e Silva. Também no movimento sindical deixou a sua marca em Porto Alegre, participando ativamente das lutas do CPERS, onde ocupou um posto no seu conselho. Também foi Presidente do Conselho da Escola Estadual Presidente Costa e Silva. É, hoje, membro atuante no Movimento dos ex-Presos e Perseguidos Políticos do Rio Grande do Sul. Juntos, procuramos resgatar esta história de lutas do nosso povo. Lá fez parte da sua Diretoria Executiva e agora foi eleita para o seu Conselho Deliberativo. Também participa do Centro de Estudos Marxistas, sempre inquieta, procurando avançar no seu conhecimento e na sua prática. Nesses tempos neoliberais, de exaltação do hedonismo e do individualismo, o exemplo de vida de Nilce Cardoso, dedicada à luta por um mundo mais solidário, mais fraterno e mais justo, é, sem dúvida, a comprovação de que outras mulheres e de que outros homens são possíveis, condição para que outro mundo seja possível.

Recebe, companheira Nilce, a cidadania que conquistaste com a tua luta! Porto Alegre se orgulha de ti!

Concluo, dedicando a Nilce, e a todos que como ela resistiram ao terrorismo do regime militar, extratos da poesia, de Michael Gold,

“Na Cela

Cinco robustos detetives encontram-se na cela com uma presa.

E – por Deus! – estão certos de que a obrigarão a falar!

Caem-lhe em cima cegamente, furiosos

como lobos famintos sobre a presa.

Estão aflitos.

Não há bastante espaço para eles na cela escura.

As roupas pesadas os atrapalham.

Seus alvos colarinhos os incomodam.

Gruem, suam, praguejam,

enquanto seus cassetetes sobem e descem.

Cinco robustos detetives encontram-se na cela com uma presa.

 

Oh! aqueles cassetetes, os pesados sapatos,

os punhos de Judas impelem a prisioneira a falar.

E seu coração esfacelado grita-lhe que ela deve ceder.

E seu corpo sangrando estremece

como a criança assustada por um rato: - Fala!

E seu cérebro arde de agonia e grita: - Fala! Fala!

E seu sangue segreda:

-         Teu esposo te espera! Basta apenas falar!

E o mundo todo brada

como um milhão de vozes selvagens aos seus ouvidos:

-         Oh Jesus! Fala, mulher!

Mas a presa não quer falar.

Os cassetetes sobem e descem

Os tacões de ferro se estampam no rosto do preso.

Os detetives já têm rasgados os colarinhos.

A presa fecha os olhos por um momento

e vê milhares de estrelas que brilham no universo da dor.

Morde os lábios até sangrarem, afirmando que não falará.

Jura com a boca sangrando

que o mundo da exploração e da opressão não pode dominá-la

e os cinco robustos detetives

que se encontram com ela na cela

nunca a obrigarão a falar.”

Um grande abraço, Nilce. Muito obrigado.

 

(Revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Reginaldo Pujol): Registramos as presenças do Ver. Ervino Besson e da Ver.ª Sofia Cavedon. Registramos também a presença do nosso ex-colega, pessoa que deixou muitos amigos e muita saudade nesta Casa, o nosso querido amigo Antonio Losada.

A Ver.ª Maristela Maffei está com a palavra, pela Bancada do PT.

 

A SRA. MARISTELA MAFFEI: Ex.mo Sr. Presidente da Câmara Municipal, em exercício, Ver. Reginaldo Pujol; Sr.ª homenageada, companheira Nilce; Sr. representante da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, companheiro Wilson Martins; Sr. Vereador, nosso companheiro de Bancada, que muito nos orgulhou por esta proposição, Ver. Marcelo Danéris; Sr.ª representante da Secretária Municipal de Cultura; companheira Maria da Conceição Marques Pereira; nosso sempre Vereador Antonio Losada, que nos prestigia num momento tão importante; quero lembrar também as presenças da Semíramis e do Paulo, filhos da nossa companheira Nilce; quero lembrar também uma pessoa que foi fundamental - e é, com certeza, na vida de todos nós - para a Nilce, que é a sua mãe, que, com certeza, foram os dois braços que a seguraram em todos os momentos de dor e de alegria também, que é a Dona Zilda Azevedo Cardoso. Em nome de todos nós, da Bancada do Partido dos Trabalhadores, gostaria que todos nós a recebêssemos com uma forte salva de palmas. (Palmas.)

Nós vivemos, Senhoras e Senhores, talvez de uma forma diferente, talvez mais escamoteada em uma sociedade em que as desigualdades econômicas, sociais e culturais se apresentam como naturais; onde as leis historicamente serviram, e na maioria das vezes servem, para preservar privilégios e garantir a opressão. Opressão feita para ser violada, perpetuando o barbarismo e a desesperança. Os governantes deste País comprometeram-se de tal forma com os interesses de uma elite autoritária, que não mediram esforços em nenhum momento da história, desde a ocupação deste País, para maltratar seus filhos e filhas que ousaram discordar da sua visão.

Nós temos, sim, uma história trágica de desrespeito aos direitos humanos, aliás, esses valores não fazem parte da realidade da maioria da população em nossa sociedade. Dentre esses, ainda há setores mais atingidos, como as mulheres, como os negros, os portadores de HIV, os portadores de deficiência, crianças e adolescentes, homossexuais, idosos, índios, etc.

Após vinte e um anos de vigência de um regime autoritário o poder hoje se reveste de democracia, e as variadas formas de violência convergem para a produção social de uma cidadania dilacerada. Em todas as formas de violência percebe-se como foco a lógica da coerção social, com efetividade nunca esquecida. O exercício da violência psicológica, o exercício da violência física, pela humilhação, pela tortura e pela morte. Pela morte, muitos tombaram na luta pela democracia. Outros sobreviveram e estão com certeza entre nós: a Nilce, o Losada, o Raul.

A nossa Nilce resistiu. Muitos tentaram resistir. Não foi por covardia que tombaram, tombaram por que não agüentaram. E a nossa Nilce está aqui. A Nilce resistiu e se faz cada vez mais forte em nós. A Nilce é daquelas companheiras que tem dentro da alma a voz da solidariedade. Ela é como a música dos índios: tem a terra como corpo, a água como sangue e o fogo como espírito. Tem a força e a teimosia de continuar a lutar pela liberdade e o direito de todos.

Você, companheira, tornou-se um símbolo de solidariedade e é por isso que Porto Alegre te homenageia. Por isso, os homens e as mulheres que estão aqui e os que ficaram para trás em algum lugar da constelação que nós construímos, em especial, companheira, as mulheres te homenageiam. Sabes por quê? Porque, até bem pouco tempo, a luta das mulheres não estava incluída dentro dos direitos humanos, e nós sabemos o quanto tu lutaste para que estivesse incluída.

Eu queria, com a tolerância do Presidente, fazer uma declaração muito pessoal: tu tens um valor inestimável na minha vida, porque, para o PT que nós construímos, o PT da democracia, o PT da luta, pessoas com tu são fundamentais existirem, porque tu tens o olhar feminista, o olhar de quem quer construir o socialismo, mas não esquece a questão da cultura, a questão dos diferentes, a inclusão que todos nós queremos. Por isso, que tu és fundamental, junto conosco, junto com cada um de nós. Esse teu olhar de fraternidade, esse teu olhar de quem respeita as diferenças faz nós continuarmos, porque vibra no coração de cada um de nós a tua existência, e a tua existência traz o eco de cada companheiro que lá no cárcere ou em qualquer lugar ficou, ficou solto como a esperança, ficou livre como a luta que temos que seguir, porque a luta é algo de que não podemos desistir, porque as diferenças e as imposições estão cada vez mais fortes.

Por isso, temos que homenagear e dar a visibilidade necessária que esta companheira merece de todos nós. Muito obrigada. (Palmas.)

 

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE (Reginaldo Pujol): Convidamos o Ver. Marcelo Danéris a entregar o Título Honorífico de Cidadã de Porto Alegre à homenageada.

 

(É feita a entrega do Diploma e da Medalha.)

 

A Sr.ª Nilce Azevedo Cardoso, nossa homenageada, está com a palavra.

 

A SRA. NILCE AZEVEDO CARDOSO: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) É difícil! Mas, passei por coisas mais difíceis! Querido Marcelo Danéris, em primeiro lugar; ainda meus cumprimentos ao companheiro Raul Carrion; Maristela Maffei. Vocês três me deixaram, extremamente, emocionada. E o Antonio Losada, ali, testemunhando. Muito obrigada.

É que está complicado eu começar a falar, porque é muito interessante olharmos aqui de cima, e cada um de vocês fazem parte de mim. Então, como dizer de um ou de outro? Mas eu quero dizer algumas coisas.

Em primeiro lugar, eu queria agradecer especialmente, ao João Aveline, a quem estou procurando, mas acredito que ele não melhorou. Ele telefonou-me agora há pouco e estava muito emocionado. A idéia desse título é dele. Ele me procurou depois que apareci na televisão, no programa Conversas Cruzadas, e soube que eu estava indo lá para fazer uma denúncia ao Delegado Pedro Selig pelas torturas, que não só eu havia sofrido, mas todos os presos políticos. Ele queria, então, homenagear e agradecer, e a forma que ele viu foi essa. E foi bastante significativo que um comunista, um lutador que eu respeito profundamente, tenha feito esse pedido. Encaminhou ao Ver. Marcelo Danéris, que fez tudo acontecer. A eles, particularmente, começo a agradecer. Eu só teria a acrescentar, realmente, agradecimentos.

Eu, desde muito cedo, fui movida a amigos. Mais tarde, vim a conhecer uma pessoa que faz e fez toda a vida também assim, que é a Ana Maria Jardim. Neste momento, fico chamando algumas pessoas que estariam aqui presentes e que fizeram muita diferença. Começo por meu pai, que não mais está conosco. Chego, inicialmente, a todos os companheiros que não estão aqui, porque, na tortura, foram assassinados; os que não estão aqui por estarem em outras trincheiras; os que não estão aqui, porque estão lutando por justiça e paz. Ou melhor, eles estão aqui.

Eu quero começar lendo uma poesia de Luís Eurico Lisboa, de 1967, para dar o tom do que eu gostaria de falar e deixar já o meu grande abraço para a Suzana Lisboa, que tem sido uma batalhadora incansável por todos os desaparecidos políticos e a ela nós devemos muito da nossa história. Ele escreveu Nova Aurora. “Meu povo está trêmulo na noite fria de sua solidão. Eu tenho frio mas sorrio tranqüilo, porque transpus montes outrora intransponíveis e sei que há um amanhã e um sol, uma luz e uma esperança feitos realidade. Não me assustam as trevas, nem os fantasmas que vêm no seio delas, porque sei que haverá uma aurora e todos nós teremos paz. Não temo o frio desta noite, nem temo esta noite, porque há outros como eu conhecedores companheiros no presente e no futuro, porque essa verdade é mais que um contemplar metafísico, impõe uma luta. Não surgirá do nada, nós a construiremos com nossa história, com nossas experiências, com nossas limitações e esperanças, com nossas consciências. Não temo o frio desta noite, nem temo esta noite, porque estou a enfrentá-la com a certeza da vitória.”

Então eu gostaria de lembrar as pessoas que fizeram parte ao longo da minha vida, e que aprendi, depois de anos de análise, que sempre haverá muita falta. E o que eu sinto, neste momento, é que eu certamente esquecerei quais são as importantes, mas sintam-se, por favor, homenageados por todos que eu citei e citarei.

Eu preciso, em primeiro lugar, agradecer aos meus filhos, porque sem eles eu tenho a certeza absoluta que eu não estaria aqui, eles são fortes, eles são ternos, eles são incríveis, eles são maravilhosos e tinhosos também, eu os amo do fundo do coração.

Minha mãe foi, durante toda a minha vida, uma força, essa força que faz muita diferença, porque, desde muito cedo, ela me apóia. Ela me apoiou em Ribeirão, quando eu quis ser bailarina; foi assim que eu comecei, eu queria ser bailarina, eu gosto de dançar. A dança é algo que coordena os movimentos da alma; a música, a poesia são coisas que realmente sempre me tocaram muito. Em pleno Ribeirão, porque eu sou de Orlândia, uma cidade do interior de São Paulo, eu fui com um ano para Ribeirão, entrei para a aula de dança e, aos 8 anos, eu estava em um palco: pequena, danada, tinhosa. E lá comecei a dança e dancei e dancei. Quando cheguei aos 15 anos, eu tinha de fazer uma opção: ou eu estudava para fazer uma faculdade, como dizia o meu pai, ou seguia dançando para ser bailarina, que, naquela época, não era “ser bailarina”, talvez hoje em dia seria com outro tom, e eu tive de optar, eu tinha de estudar. E aí estudei e estudei, sempre apoiada por minha mãe, porque nessa hora eu tinha de fugir, eu ia aos bailes, eu era a Rainha da Retorta ou sei lá o que, muito coquete; eram alguns bailes incríveis que havia em Ribeirão Preto e minha mãe me apoiava.

E sobre o meu irmão, aqui presente, ao qual eu aproveito para deixar um grande abraço: ele foi sempre alguém que estava ao meu lado. Em primeiro lugar, a ordem do meu pai era para que ele me cuidasse, e ele levou a sério, cuidando-me durante toda a minha vida até hoje. Obrigada, Nélson, realmente contar com o Nélson é contar com uma pessoa incondicionalmente amada, é muito bom, faz muita falta termos uma pessoa desse jeito. E aí fui para a USP e, lá chegando, vi que era um mundo novo. E vinha aquela menina de uma sociedade, toda embonecada; e fui para a USP. Só quem já leu muito sobre a USP sabe que é um mundo novo. Aquele povo pensava diferente. Pensavam grande, pensavam tudo. Tudo era permitido; pensar era permitido. E as idéias eram todas muito múltiplas e eu fui entrando nessa. De repente, aprendi, com uma pessoa que me assustou muito no começo, o que era ser comunista. Ah, eu tinha um medo! Mas fui lá, continuei firme. E entrei na JUC em primeiro lugar, e depois na AP, e imediatamente eu fui militar numa célula, e o meu companheiro, o dirigente Jair Ferreira de Sá, me chamou e disse: “Eu gostaria que você fosse minha segurança e passasse a fazer parte de serviços de Ação Popular.” Era muito estranho isso, eu nunca tinha ouvido falar, mas, em todo o caso, ele estava me convidando e, para mim, era uma honra. Ele só disse: “Eu preciso de duas coisas: que você saiba o que você quer e que você possa não ser reconhecida. Porque entrando nos serviços, nunca mais ninguém vai te reconhecer. Você vai estar trabalhando sem que ninguém saiba. Você vai estar trabalhando junto à direção e ninguém vai poder saber, ninguém, nem os companheiros.” E eu aceitei. Há muito pouco tempo, na análise, eu fui descobrir algumas características da minha militância. E fui para os serviços até que o Partido decidiu que havia uma mudança.

Ah, mas eu preciso dizer uma coisa que foi muito importante e alguns de vocês sabem disto, estou querendo lembrar, então, eu fui recebida por Joaquim - o Rabelo – que foi responsável, um grande companheiro, por me introduzir na Ação Popular. E ele me deu os Subterrâneos da Liberdade de Jorge Amado para ler, para que eu soubesse o que poderia um dia passar. Mudada a política da Ação Popular, fui convidada a trabalhar em fábrica e aceitei. Eu fui trabalhar como educadora popular. Fui para a fábrica ser operária com dupla função, digamos assim, revolucionariamente falando. Eu tinha que aprender com a classe operária, e aprender muito, e tinha que trabalhar numa conscientização, trocando; era uma troca. E assim foi.

Em plena ditadura militar, eu larguei a minha vida profissional de professora, pois já trabalhava no Colégio de Aplicação e fui para as fábricas. Estive em São Paulo, como eles já relataram, e depois vim para Porto Alegre. Foram momentos de muita aprendizagem. Não a estou vendo, mas nesta época eu conheci uma pessoa e aprendi a palavra “solidariedade” até as últimas conseqüências; refiro-me à operária Marlene Silveira, que trabalhava comigo na Renner e ela pôde me dar a mão, não só porque eu não sabia ser operária, não só porque eu não sabia a linguagem que aquelas meninas usavam, mas porque eu aprendi muito e foi muito bom. E ela pôde me ajudar em outros momentos também, e eu gostaria muito que ela estivesse presente, mas não a estou enxergando.

Mas tudo aconteceu, e eu sabia que podia acontecer! Para todos aqui que já conhecem a minha luta, muitos de vocês viveram comigo, quero dizer que eu sabia que poderia ser presa e, infelizmente, o fui. Então, no dia 11 de abril de 1972, pegaram-me na rua e, já esbofeteada, fui levada ao DOPS e conheci o que eu já conhecia, mas o que pensamos nunca é, podem ter certeza, aquele terror, aquele horror que se vive lá dentro. É indescritível! Muitos anos de análise tive de fazer, deitada em divã e chorando além da conta, mas posso hoje dizer isso que estou podendo dizer para vocês todos: que estar dependurada em um pau-de-arara, sem querer dizer nem uma palavra, me custou muito caro, mas eu sabia por que eu estava ali dentro. Eu sabia por que estava ali, e eu tinha muito ódio porque eu sabia que eles sabiam o que eu sabia; então, eu pensei que realmente fosse ser assassinada. Então, eu posso olhar e ver vocês que, depois, me ergueram, porque cada um daqui tem responsabilidade nisso porque estou de pé, porque eu sou eu por conta de cada um de vocês e de outros tantos que não estão aqui. Diógenes Sobrosa de Souza, a este eu já posso, neste momento, dar este abraço infinito porque eu o conheci na prisão, e ele foi uma força imensa para mim. Quando voltei do hospital - estava em coma, muito fragilizada -, voltei para a tortura, e, logo em seguida, ele e o Djalma, que estavam ali por perto, demonstraram a sua solidariedade. Eu sentia que eles estavam sempre comigo. Não diziam nem uma palavra, nem era possível nada ser dito, mas eles estavam ali, e isso foi muito importante porque eles estavam me mandando a mensagem: “Agüenta firme, companheira, é assim que se faz! Os comunistas têm uma função a fazer neste mundo. Nós fomos chamados a mudar este mundo. Nós somos responsáveis por uma mudança e é isso que temos de fazer.” E aquele silêncio, aquele olhar que diziam: “Nós somos fortes; quanto mais eles nos batem, mais eles estão fracos.”

E aí eu pude agüentar muito mais.

Infelizmente o Sobrosa foi “suicidado” pela ditadura, como eu chamo. Porque a realidade é dura demais, é preciso fazer uma reconstrução de si mesma. É preciso que todos recebamos a solidariedade que eu recebi. E, neste momento, sou privilegiada, sim, recebo este título, mas sou privilegiada porque tive amigos; eu nunca fui deixada só. As pessoas tinham medo de chegar perto, e aí me vem a Christa: “Se você precisar de alguma coisa, estou aqui”. Ela poderia ser presa só por chegar perto de mim. E ela chegou. Gente, assim foi acontecendo e assim foram todos os dias da minha vida. A minha mãe, imediatamente, quando eu saí da prisão, me pegou e foi comigo, viu que eu estava medrosa, assustada – eu estava mesmo muito assustada -, mas ela sabia uma coisa: não era possível continuar daquele jeito, eu estava em frangalhos fisicamente, eu estava em frangalhos psiquicamente; mas era preciso me recuperar porque aquela Nilce, aquela filha de Álvaro Cardoso e Zilda Azevedo Cardoso não podia deixar por menos, teria de ficar de pé. Aí, ela me levou para um curso que o GEEMPA – na época, chamado Grupo de Estudos de Matemática – trazia o DIENES, e ela sabia que se eu pensasse, matematicamente, eu recuperaria coisas da minha vida; essas coisas que eu sabia fazer. Então, quem sabe, eu me encontraria nisso tudo. E foi assim, eu fui para o GEEMPA trabalhar, fiz o curso, fiquei estudando, estudando, estudando e, estudando... A Celeste, Flor ali, a Rose, a Arlete, todo esse pessoal, eu estudava muito. Eu tinha que estudar muito mais do que as pessoas porque eu estava com a cabeça um pouco transtornada, mas eu estudava e queria muito estudar. Aí recebi a brilhante idéia da minha mãe e fomos procurar emprego. Felizmente, no IPA, Edni Schroder abriu-me as portas; minha mãe explicou-lhe que eu precisava trabalhar pelo duplo motivo: eu precisava me sustentar e também ser ajudada. E a Gema Belia me deu uma grande mão, me ensinou a falar, me ensinou a ficar na frente de um aluno, me ensinou a perder o medo de gente – eu tinha muito medo de gente, não conseguia chegar perto das pessoas.

Foi aí que eu contatei com pessoas maravilhosas, principalmente porque quando minha mãe teve de ir para São Paulo e eu estava trabalhando, ela me deixou para uma pessoa que eu adotei como irmã. E aí a Gilda Sobrosa de Souza da Luz me adotou. Foi morar comigo e me cuidar. Ela me cuidava! Depois cuidou dos meus filhos! E esse cuidado eu fui recebendo, e fui melhorando.

Já trabalhava no IPA, conheci, então um outro irmão adotado. Eu tenho seis irmãos: o Nélson, o Álvaro, a Iara, o Ivan, o Valério e a Valéria. E fui adotando o resto da minha família por aí. A Gilda foi a primeira adotada, depois Ênio Kaufmann, que passou a fazer parte da minha vida. Meu irmão; às vezes eu pensava que fosse mais velho, mas é mais novo.

E eu fui construindo, junto com o pessoal do GEEMPA, a minha vida profissional, quando descobri que eu estava amnésica. Casei-me novamente. Antes eu era casada com o Toninho, de quem já estava separada quando saí da prisão. Casei com Antônio Norival Soave, que é o pai dos meus filhos e que também veio me ajudar muito no dia-a-dia e em tudo mais. Descobri que tinha ficado amnésica, e isto foi muito difícil, porque eu não percebia que estava amnésica, a gente não percebe, e estar amnésica é uma coisa muito chata, e as pessoas vão dizendo que a gente está estranha, mas a gente vai perdendo pedaços pelo caminho. E, então, fui novamente ajudada. Fui fazer uma trabalho com a Alicia Fernández, que me encaminhou para uma análise pessoal, que fui fazer com a Mírian Möller, e continuo em análise até hoje. E é assim que estou chegando neste momento, ajudada.

Estou vendo várias pessoas da biodança. A biodança me trouxe a possibilidade de ser flexível. Aí, conheci o Alfredo, conheci o Beto, o Roberto Umanski, e as pessoas foram significando diferente na minha vida. A biodança também me trouxe alegria, porque, talvez, eu estivesse um pouco endurecida, em estava muito dura. O pessoal do GEEMPA me ajudava, mas eu sentia medo, as pessoas me davam medo e eu não conseguia chegar perto das pessoas. E a gente precisa chegar nas pessoas, a gente precisa tocar nas pessoas, sentir o corpo, dar um abraço. É assim que a gente vive. É dos amigos que a gente sente força. É ali que a gente constrói este homem novo, que está sendo construído, e vai ser construído, não tenho dúvida nenhuma, que é baseado no amor. É o amor que vai fazer a paz. É o amor que vai construir a fraternidade, e isso fui vivenciando. Aprendi a ser um pouco mais flexível, um pouco menos medrosa das pessoas, e a biodança foi-me ensinando esta possibilidade.

Aqui tem tanta gente e gostaria muito de falar muita coisa. Descobri na Psicanálise que as pessoas são únicas, mas como podem ser únicas, se eu tinha aprendido que era no coletivo que iríamos fazer a revolução? Eu fiquei muito em conflito. Como ia acontecer isso? E foi uma reorganização, uma reorganização de mim mesma, que vejo agora na preparação do Fórum Social Mundial o quanto isso foi importante. Já o Caon tinha me convidado, tinha insistido que eu estudasse Psicanálise e que eu iria me encontrar, e quando eu fui conversar com ele, ele disse: lembra da música Gracias a la vida, que me há dado tanto, e descobre tudo isso. Então Marta Brizzio me convidou - querida - para fazer um Curso de Especialização em Psicanálise. Olha, companheira, que coisa boa! Como te agradeço. Foi muito bom! Fui fazer o Curso de Especialização em Atendimento Clínico, e atendi mais de cem pessoas, com todos aqueles sofrimentos, com toda aquela alma machucada, e vi muita coisa. Naquela clínica aprendi muito, como tenho aprendido muito.

Eu vejo que sou fruto de muitas vozes, mas muitas vozes que não me tumultuam; elas me tornam múltipla; essa multiplicidade que não nos diminui, essa multiplicidade que nos acrescenta. Depois fiz um curso no Instituto de Família, e fui vendo que é possível sim, a gente tem é de aprender que as pessoas são diferentes entre elas, que têm idéias diferentes, mas se nós formos profundamente democráticos, nós conseguiremos escutar cada uma, e aí nós poderemos construir um mundo novo, com respeito a essa diferença toda, com respeito à individualidade, mas que o coletivo seja escutado. É necessário que nós terminemos com essa exclusão, com essa barbárie que nós estamos vendo. Não é por acaso que nós estamos nessa guerra, essa guerra não começou no dia 11 de setembro, mas já há muito tempo. São muitos combatentes que já morreram, são muitos combatentes que lutaram por paz. Nós continuamos a lutar por paz e nós vamos conseguir.

Essa cidadania, e é sobre isso que eu quero falar, quando eu tive que ficar em Porto Alegre, acabei ficando, porque os meus filhos gostavam de andar a cavalo. A Élen e o Domingão, quando eu estava em greve, três meses acampada na praça, eu era liderança da greve, eu quase abandonei os meus filhos e eles os adotaram. Eles aprenderam a andar a cavalo e viraram gaúchos. Foram no CTG, se apaixonaram e ficaram gaúchos. Eles já haviam nascido gaúchos e se tornaram gaúchos. Então, agora, eu também sou gaúcha, adotada. Eu fiquei, porque os meus filhos pediram. Estou aqui, porque quero também continuar gaúcha. (Palmas.)

Eu faço parte de tanta coisa! Quando, às vezes, as pessoas dizem: como tu podes estar, ao mesmo tempo, em todos os lugares? Não é ao mesmo tempo, mas eu consigo estar em vários lugares, porque eu gosto de gente. Isso me faz um bem!

Eu tenho lutado muito pelos direitos humanos e contra a tortura. Eu gosto de estar em todos os lugares. Quando a Zezé me convidou para fazer uma palestra sobre a tortura no Brasil, na cadeira de História, eu fui e falei quatro horas – eu não vou falar quatro horas, podem ficar sossegados. Foi interessante essa luta, hoje, participo de vários movimentos. Entrei agora para IBrAP, e o pessoal do IBrAP, que é o Instituto Brasileiro de Ação Popular tem-­me dado muito colo, e tem sido muito bom!

Dentre todas as coisas eu gostaria de deixar uma homenagem especial às mães, essas mães... Sabe, gente, mãe é uma coisa muito incrível. Não é à toa que Allende descreve tudo aquilo no livro. As mães seguram, têm segurado. Quando eu homenageio a minha mãe eu homenageio todas as mães, essas mães dos revolucionários em particular. É difícil ser mãe, muito difícil, mas é... É danado!

Eu vou precisar terminar, mas a gente não termina, a gente interrompe – aprendi isso na psicanálise. (Palmas.) Agradecendo mais uma vez, eu quero dizer que entrei no Partido dos Trabalhadores logo no início e segui fazendo. Foi em São Bernardo. Quando eu voltei lá, em 1982, eu ia de casa em casa dizendo: “Olha, o Partido dos Trabalhadores é um partido que vai dar certo. Vamos lá!” As pessoas tinham muito medo naquela época, mas o Partido venceu, está indo. Tem muito a aprender, mas nós vamos aprender, nós vamos aprender com muitas outras pessoas também. Estamos aprendendo.

Eu só gostaria de dizer que não podemos admitir que o nosso povo, ou qualquer povo tenha tanta fome, no sentido alimentar do corpo e da alma, ambos fundamentais para a nossa sobrevivência. Nós precisamos, sim, cada vez mais, aprender como lutar para acabar com essa exploração do ser humano, aprender como respeitar profundamente os direitos humanos, em todos os aspectos, em particular contra todo e qualquer preconceito ou discriminação.

Por um mundo socialista em toda a essência dessa palavra cujo verdadeiro significado nós temos que recuperar, e por um mundo fundamentalmente, que, na minha pessoa, muitas vezes, fica dito que é um mundo onde nenhuma forma de tortura seja tolerada, seja feita, sob nenhuma explicação, porque isso ainda acontece, aqui, e nos outros Estados. E eu tenho lutado muito, junto com muita gente, e nós continuaremos lutando, porque um dia eu acredito que esse homem novo vai achar que o amor é que tem sentido, e não a tortura, e não o a ódio.

Eu vou terminar, agradecendo a indicação, com as palavras de Charles Chaplin: “Bom mesmo é ir à luta com determinação; abraçar a vida com paixão; perder, com classe; e vencer com ousadia; pois, o triunfo pertence a quem se atreve; e a vida é muito para ser insignificante.” Deixo um abraço a todos vocês. E muito obrigada por terem vindo, vocês são a razão muito forte de eu viver. Muito obrigada. (Palmas.)

 

(Revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE (Reginaldo Pujol): A seguir, ouviremos a apresentação de Maria Lúcia interpretando a música Pealo de Sangue.

 

A SRA. MARIA LÚCIA: Coube-me a tarefa de homenagear a Nilce em nome de seus amigos. A Mercedes Sosa, em uma entrevista, disse que, ou se canta; ou se chora. Eu vou tentar cantar para homenagear a Nilce com uma música que eu escolhi, Pealo de Sangue, porque é uma música de luta e que fala do nosso velho Rio Grande, do nosso velho Guaíba. Com Pealo de Sangue, quero trazer o carinho dos amigos da Nilce, nossa querida, nossa amada, que não perdeu a capacidade de se emocionar. Essa música, acredito que a maioria de vocês conhecem. Nós podemos cantar juntos.

 

(É feita a apresentação.)

 

O SR. PRESIDENTE (Reginaldo Pujol): O pronunciamento da nova Cidadã Honorária de Porto Alegre, recheado de reflexão, me traz a mente algo que há muito tempo ouvi, de um poeta que eu não preciso com exatidão. Todos sabem, é público e notório que eu não comungo do mesmo pensamento político da nossa ilustre homenageada, nem tampouco do autor da homenagem, sou liberal assumido. Isso não impede que eu tenha um profundo respeito por aquelas pessoas que acreditam no que fazem e que defendem com tenacidade as suas posições. Por isso, penso que eu lhe prestaria uma homenagem lembrando do poeta que diz que “nem todos os caminhos são para todos os caminhantes”. O caminho e os obstáculos que a senhora enfrentou demonstram que a senhora é uma mulher de fé, acredita no que faz, e por isso se torna credora do meu respeito. A minha homenagem e minha honra em ter presidido esta Sessão. (Palmas.)

Convido a todos para, em pé, ouvirmos o Hino Rio-Grandense.

 

(Executa-se o Hino Rio-Grandense.)

 

Agradecemos a presença de todos. Em nome do Presidente deste Legislativo, convidamos a todos para, após a cerimônia, irmos à inauguração do novo Teatro Glênio Peres, que é uma conquista desta Câmara, este novo espaço cultural que, a partir de hoje, está disponibilizado para a sociedade gaúcha. Muito obrigado.

Estão encerrados os trabalhos da presente Sessão.

 

(Encerra-se a Sessão às 20h53min.)

 

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